Raiane Cardoso
Conheça a história de Tainá Hinckel
Foco e determinação talvez sejam as melhores palavras para descrever esta catarinense que, aos 17 anos, acumula títulos e viagens pelo mundo mostrando seu surf e representando o Brasil. O Donas do Mar de hoje conta a história de Tainá Hinckel, surfista que vem ganhando destaque no cenário do surf feminino mundial.
Tainá Hinckel Santos é moradora da Guarda do Embaú, uma vila de pescadores com cerca de 500 habitantes. Nasceu em Florianópolis por mera questão de acesso a hospitais e depois voltou para a Guarda, que fica a 40 minutos da capital catarinense e onde seus pais moram há mais de 30 anos. A família da surfista é a mistura que é típica do Brasil: o Hinckel (fala-se “Rínquel") vem da Alemanha, mas a família também tem origem italiana, boliviana e bulgre.
A atleta completou 17 anos no último 8 de maio e já são 11 anos no surf, dez competindo. “Ontem eu tinha dez anos e hoje eu já tenho 17. Ano que vem eu sou 'de maior', sabe. Para mim já é algo muito grande porque sempre fui aquela pequenininha, a mimadinha e aí, nossa, já vou fazer 18 anos (risos)”, contou Tainá.
O contato com esportes vem desde a infância da atleta, que já praticou vários, especialmente o judô, muay thai e ballet. “Eu acho que se não fosse surfista eu seria lutadora de UFC”, disse Tainá. A surfista chegou a ser campeã catarinense de judô. Aos 10, 11 anos, teve que optar entre o surf e os outros esportes. “Fui parando aos poucos porque não tinha mais espaço. Eu fazia um monte de coisa, só que eu sempre gostei muito da água, a minha relação com a água é fora do normal”, contou.
O início da história com o surf aconteceu de forma natural. A atleta é filha de Carlos Kxot, ex-surfista profissional, que a incentivou a surfar desde que Tainá tinha dois anos. “Eu caí da prancha, ele caiu com o braço em cima de mim, na beirinha mesmo, só que como eu era muito novinha eu acabei ficando com trauma, eu não quis mais surfar e ele nunca forçou. Meu pai nunca foi muito de empurrar para ir então ele deixou tudo ir naturalmente e foi exatamente isso.”
“Aos seis anos de idade, eu vi um amigo meu indo surfar e quis surfar também. Meu pai me levou, eu gostei, no outro dia eu queria de novo e assim foi, bem rápido. A partir dali eu já fiz, com sete anos de idade, a minha primeira viagem internacional, foi para o Peru. Já tinha meu primeiro patrocínio no segundo campeonato que eu competi na minha vida, então foi muito rápido mesmo”, contou a surfista.

O pai atua como seu técnico e seu shaper, e também a acompanha em todas as viagens. Desde que Tainá começou a surfar, Carlos foi se dedicando mais à carreira da filha e se aposentou de vez da vida de surfista profissional.
Além do pai, o irmão de Tainá, Wayan, também compartilha o gosto pelo surf e chegou a competir por um tempo, mas hoje é free surfer. A cadelinha da atleta, Happy Hinckel, também surfa: “Ela tem até Instagram, tem as ondinhas dela surfando, ela surfa mesmo (risos)”, contou Tainá. Já a mãe da atleta não surfa, mas é filmmaker e registra a família.
Desde a infância, a atleta vem competindo ao redor do mundo e acumulando títulos. É bicampeã Sul-Americana Pro Junior, circuito que venceu pela primeira vez aos 12 anos, a sul-americana mais nova a vencer essa competição. Foi a terceira melhor Pro Junior do mundo em 2017, a melhor brasileira até agora.
Também teve a oportunidade de competir no Surf Ranch, a piscina de ondas de Kelly Slater, em 2018 na primeira e única edição da WSL Founders’ Cup, uma competição entre países e ficou em segundo lugar junto com o time brasileiro. Foi a primeira e única mulher a vencer o circuito paulista amador Hang Loose Surf Attack quando tinha apenas dez anos.
Tainá já enfrentou as melhores do mundo nos eventos do WQS e no WCT. Derrotou as australianas Sally Fitzgibbons e Nikki Van Dijk no Oi Rio Pro 2019 e enfrentou a tetracampeã mundial Carissa Moore. A surfista afirmou encarar a elite do surf com naturalidade: “Eu, particularmente, levo como qualquer outra. Elas são demais, realmente, atletas de alto nível, muito difíceis de bater, mas a gente treina para isso, eu treino para isso".

"Eu entro totalmente focada e realmente bloqueio essa parte de ‘Ah, é a melhor do mundo, é a terceira, a quarta’, não, eu entro realmente encarando como mais uma para vencer. Poder estar competindo contra elas e vencer é uma coisa que significa muito para mim porque mostra que o meu trabalho está sendo recompensado, está dando certo e que eu estou no caminho certo para chegar lá. Eu quero uma bateria com a Carissa de novo para ganhar desta vez”, contou.
A atleta ficou muito perto de representar o Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio, a estreia do surf como esporte olímpico. Caso Tatiane Weston-Webb ou Silvana Lima não se classificassem no WCT, Tainá disputaria uma vaga no campeonato mundial da Associação Internacional de Surf. A chance de se tornar uma atleta olímpica também foi encarada com naturalidade por Tainá.
“Tudo que vem da competição para mim é natural. É uma coisa que a gente está sempre trabalhando todos os dias, com muito foco, muita dedicação, muitas horas dentro da água. Chegar perto não é o suficiente, como o segundo lugar. No caso o terceiro porque eu não fui (risos). É difícil, é sempre uma vontade de querer mais. Eu queria muito ter ido, de verdade. Entendo que sou muito nova, que ainda tem muita coisa para acontecer, muito tempo para amadurecer. Mas eu queria muito ter ido, fiz de tudo e espero que eu possa ir em 2024, vou dar o meu máximo para isso”, disse a atleta.
Em 2019, em entrevista para a Red Bull, Tainá disse que para ela o treino físico era a pior parte de ser atleta. Mas a surfista não tem mais a mesma opinião: “Essa entrevista causou muita polêmica (risos). Eu estava em uma fase, foi mais ou menos no período que eu fui pro Japão quando eu fiz essa entrevista. Eu estava super feliz com as minhas conquistas em campeonatos e estava comendo bastante, tinha engordado, não estava treinando, estava só surfando, fora do normal. Eu não estava realmente sendo uma atleta profissional, como eu deveria ter sido. Mas tudo bem, fases, né. E aí, eu tive que mudar bastante durante esse tempo".
"Desde outubro que eu virei a página, virei realmente atleta que eu deveria ser para poder ir melhor nas competições. Eu emagreci 11 quilos, passei a treinar todos os dias, comecei a fazer fisioterapia. Comecei a me dedicar com essa outra parte que eu não costumava fazer de jeito nenhum, para mim hoje é uma coisa muito boa, eu não vivo sem, é uma coisa que me faz bem, me alimentar bem, treinar. Além disso, me ajuda muito na performance do surf, eu me sinto muito mais disposta, consigo surfar muito melhor. Mudei radicalmente. Então, se hoje eu fosse fazer essa entrevista seria totalmente diferente. Lógico que eu tenho a minha essência, mas eu, de alguma forma, sou uma nova Tainá. Às vezes eu me envergonho um pouco dessa entrevista (risos)”, disse.
A melhor parte de ser atleta é surfar como um trabalho e as competições, contou. “Sou muito competitiva, gosto da adrenalina.” Já a parte mais difícil atualmente é estar viajando direto. “Não que seja ruim, mas às vezes é difícil estar viajando direto, cansa muito, sabe. A gente passa muito pouco tempo em um lugar. É difícil não parar em casa, dar uma respirada ou, enfim, em algum lugar do mundo parar e dar uma respirada e criar uma rotina. Eu gosto de viajar, mas essa é uma coisa que me incomoda um pouquinho”, disse Tainá. A surfista costuma passar cerca de três meses por ano em casa.
Sua rotina, por causa das viagens, acaba sendo não ter rotina. O período de quarentena acabou permitindo que a surfista tenha uma. “Agora estou treinando bastante o físico, estou bem focada nisso. Eu andei tendo uns probleminhas, uma lesão na coluna. Estou tratando já, estou 100%. Ainda não estou surfando então agora minha rotina mesmo está sendo acordar e treinar. Normalmente vou para Floripa três vezes na semana, então meu foco mesmo é o treino físico e a fisioterapia. Tenho feito isso só. Até porque não pode fazer muito, né (risos)”, contou Tainá.
Conciliar seus estudos com a vida de atleta é mais uma dificuldade que a surfista enfrenta, que agora está no último ano do ensino médio. “Eu estudo em colégio público na Pinheira, uma cidadezinha do lado e eu quase não estou por aqui. Eu normalmente estou nas competições e não tenho tempo para ficar ali pensando nisso, eu fico pirada, totalmente focada naquilo que eu estou fazendo. Passo sempre raspando, é difícil. Para ser bem sincera, é bem difícil. Mas dá para conciliar, sempre dá, só dar o seu máximo”, disse Tainá.

A surfista é uma taurina que carrega as principais características do seu signo: é focada, determinada, amiga fiel e confidente, ciumenta, teimosa e uma pessoa que gosta muito de comer, especialmente brigadeiro, sua comida preferida.
“Minha maior inspiração sou eu mesma. No surf mesmo acho que a Carissa, mas de resto eu me inspiro em mim. Eu sou muito determinada, muito mesmo. Só que às vezes é um problema porque eu sou determinada do tipo ‘eu quero fazer isso e eu vou fazer isso do meu jeito’. Pode berrar, xingar, fazer o que quiser. Eu vou fazer do jeito que eu quero, sabe, do meu jeito e acabou. Eu tenho esse lado negativo, como tudo na vida, positivo e negativo. Mas eu acredito muito em mim, no que eu vou fazer. Eu determino um negócio fácil até eu conseguir e eu consigo, isso eu tenho certeza”, disse Tainá.
No circuito, a surfista diz ser mais fechada e ter poucas amizades. “Eu sou séria, aquelas (risos). Eu falo muito, sou bem comunicativa. Falo tudo que vem na minha cabeça e às vezes isso cria uma situação engraçada. Mas em questão de competição eu sou bem fechada. Eu e meu pai estamos sempre no nosso canto atrás das ondas e acabou, no nosso mundo. Gosto de estar no meu mundo nas competições, isso faz a diferença para mim”, confessou a surfista.
“Sou muito caseira, muito tranquila, sabe. Não tenho muitas amigas no circuito. Quando eu vou para o campeonato eu não curto muito sair para festa, pós-campeonato para mim nunca existe. É nisso que eu não faço muita amizade em competição porque a galera vai, curte, vai nas festas e eu não, para mim é estranho isso. Tem surfistas brasileiras que são minhas amigas mais do que as gringas, eu gosto bastante da Yanca, da Anne, da Isabela, tem várias meninas que eu converso um pouco mais. Mas sempre que eu estou nesse ritmo mesmo eu vou dormir cedo com meu pai, fico muito no quarto, só saio para competir e voltar”, contou Tainá.
A surfista passa bastante tempo com a elite do surf brasileiro e no meio deles acaba sendo a grommet. “Quando eu fui para o Japão era Ítalo, Gabriel, Silvana, Tati e eu. Então, assim, 17 anos de idade. Sou muito mais nova do que eles, eles já estão lá há 20 e poucos anos, o outro tem dois filhos e eu ali, com 17 anos. A conversa é muito engraçada e eles me zoam muito, porque não tem condição né, sei lá, é diferente, a galera gasta muito, é muito engraçado (risos)”, disse.
Nas horas vagas, Tainá é uma noveleira de carteirinha: “Todo mundo tem preconceito, ficam ‘Ah, por que você não assiste esta série, este filme?” e eu falo ‘Não, eu gosto de novela’. Não gosto de filme, só gosto de novela. Eu não assisto filme, odeio. Desculpa, essa palavra é muito forte, mas eu odeio. Desde pequena, filme, série, nunca consegui. Se eu assisti dois filmes na minha vida foi muito e foi por obrigação ainda (risos)”. “Avenida Brasil” é a novela preferida da surfista, que tem aproveitado a quarentena para “maratonar” várias obras. “Agora eu estou vendo milhares de novelas. Uma novela que passa durante meses eu estou vendo em 20 dias”, contou Tainá.
Eclética para música, mas especialmente fã de rap (e ex-fã de Filipe Ret, quem está cancelado para a surfista), Tainá conta que usa a música, junto com a respiração, para se preparar antes das baterias. “Eu escuto para sair daquele mundo e entrar um pouco mais na música, escutar ali a música. Dou uma respirada boa e bloqueio mesmo, só penso na onda, fico observando e surfando ela mentalmente. É bem forte a conexão, sabe, procuro me conectar bem com o mar”, disse.
A surfista já teve a oportunidade de surfar em vários lugares que sempre sonhou, mas as Ilhas Maldivas e Teahupoo’o são lugares que ainda estão pendentes na lista de Tainá. Voltaria também para alguns lugares para curtir mais sem a pressão de um campeonato, como a Espanha: “Eu fui para lá e fiquei cinco dias no quarto. Perdi o campeonato de cara, fui até a Espanha para perder de cara. Sim, fui. Não consegui trocar a passagem e fiquei cinco dias no quarto trancada, sem fazer nada, de boa (risos). Depressão total do campeonato, saía só para comer. É um lugar que eu aproveitaria bem mais”.

A Califórnia é um lugar que, se a surfista pudesse, voltaria toda hora, especialmente a área de San Clemente.
“Eu sou particularmente apaixonada por Trestles, eu fui em 2017 pela primeira vez e fiquei um mês e meio pegando altas ondas naquela área. A crowd é bizarra, mas sempre que eu vou eu gosto bastante da onda”, contou Tainá. Além do pico californiano, a esquerda do costão de sua terra natal e as ondas de Nias, Indonésia, são os picos de surf preferidos da atleta
O sonho assim que a pandemia acabar é fazer uma surf trip de um mês para algum lugar quente e paradisíaco, como El Salvador e Costa Rica. “Só surfar, só quero saber disso na minha vida”, disse Tainá. E para a vida, no geral, é que tudo tenha um final feliz.
“Eu gosto de coisas que tenham final feliz, sabe. Para mim, a vida é um filme. Na verdade, uma novela (risos). Tem que ser, tem que encarar ela como uma novela, tá tudo certo, a vida é maravilhosa, dá errado, mas daqui a pouco dá tudo certo de novo. O final, o que importa é o final. Todas as pessoas vão ser felizes, vão se amar e ser felizes para sempre.”