Raiane Cardoso
Os Bastidores do Surf Feminino
O ManaSurf divulgou nas últimas semanas o calendário do circuito profissional da CBSurf (Confederação Brasileira de Surf) e as duas primeiras etapas do profissional da ABRASP (Associação Brasileira de Surf Profissional). Nos dois campeonatos, algo se repete: as mulheres não participam de todas as etapas.
No Instagram oficial da ABRASP, pode-se ver a manifestação das surfistas repudiando a ausência das mulheres na segunda etapa do circuito da organização, o MB Surf Pro. As reivindicações também acontecem fora das redes sociais, diretamente com órgãos.
Conversamos com Nathalie Martins, surfista que desde 2019 faz parte do Conselho da ABRASP e do Conselho de Atletas da CBSurf, representando o surf feminino e levando as questões para as organizações responsáveis.
Nathalie conta que, há alguns anos, um grupo de surfistas iniciaram um movimento chamado Surf Feminino Sim. Atualmente, o movimento também tem um grupo no WhatsApp que conta com dezenas de meninas que são profissionais, amadoras, ex-atletas e algumas mães de surfistas, onde discutem e tentam articular resoluções para as questões relacionadas ao surf feminino em geral.
A atleta diz que encara a representação das atletas como um desafio mas também como uma oportunidade de contribuir para o surf. Para ela, existe um esforço de participar ao máximo e ela tenta estar sempre à disposição, entender o funcionamento da entidade e até mesmo aprender sobre o estatuto, para saber a lidar com as questões. Mas afirma que, ainda assim, nem sempre as coisas fluem, por diferentes motivos.
"Eu me pronuncio sempre que dá ou quando acho que posso contribuir para algo, mas as coisas têm que vir do coletivo", disse Nathalie.
Nathalie diz que há uma diferença no acesso que tem com a ABRASP e com a CBSurf. “Com a ABRASP eu consigo ter mais facilidade de me comunicar, as informações chegam para mim antes e eu participo das decisões. Nem sempre tudo é resolvido, mas sinto mais facilidade de esclarecer e discutir as coisas. Na CBS é diferente, eu sinto que as coisas estão mais distantes, nunca sabemos o que eles estão planejando, como foi o caso do fechamento do circuito.”
Segundo dados da ABRASP do final de 2019, o Brasil possui 30 surfistas profissionais no feminino. A surfista defende que circuitos mais bem estruturados fariam com que o número de atletas profissionais aumentasse: “Acredito que o número de atletas poderia ser muito maior se tivéssemos um circuito bem consolidado e se as atletas tivessem um suporte maior para competir. Infelizmente, não temos etapas girando o país todo, facilitando a ida de meninas de diferentes regiões, por exemplo”. Duas das justificativas das organizações para a falta de etapas do feminino são, inclusive, a baixa quantidade de meninas na competição e a pouca visibilidade do evento.
A surfista Yanca Costa também defende que etapas melhor estruturadas fariam a diferença: "Se tiver etapa, a galera vai competir, é o que queremos. A gente só não quer competir numa etapa feita de qualquer jeito, só por fazer. Às vezes, eles querem mais mostrar que fizeram do que fazer algo com qualidade, bem pensado, com onda boa para a gente mostrar o nosso surf".
Nathalie argumenta que o público também vai desanimando por conta da falta de eventos para as surfistas, o que resulta num enfraquecimento geral do surf feminino. “Com um circuito consolidado e com uma premiação justa, as meninas conseguiriam se dedicar o ano inteiro, os eventos estariam mais cheios, as atletas iriam se estimulando a irem em todas as etapas, mas acho que isso vai se dando aos poucos, não é de uma hora pra outra que vão 50 meninas no mesmo evento. É uma sementinha que temos que cultivar para dar resultado lá na frente”, disse a surfista.
Nesse sentido, a importância de alguém como Nathalie é evidente. Tanto Jessica Bianca quanto Yanca, em entrevista ao ManaSurf, apontaram o quanto o grupo do Whatsapp com as surfistas profissionais têm as ajudado a se organizarem para reivindicar seus direitos com a CBSurf e a ABRASP. A tentativa de um circuito mais justo para as mulheres vem a partir da informação e também das comunicações formais.