Raiane Cardoso
Conheça o Comitê pela Equidade no Surf Feminino (CEWS)
O ano é 2014. Em junho, Bianca Valenti, surfista de ondas grandes estadunidense, liga para uma rádio local que discute no momento o futuro da competições de surf em Mavericks, uma das maiores ondas do mundo, localizada em Half Moon Bay, cidade na costa norte da Califórnia. Jeff Clark, surfista de ondas grandes que descobriu Mavericks em 1975 e um dos organizadores da competição no local e Griffin Guess, fundador de uma empresa que era a nova patrocinadora do evento, eram os convidados da rádio.
Bianca entrou ao vivo e perguntou sobre a inclusão de mulheres na competição. Jeff Clark respondeu: "Está com você agora. Você precisa reunir esse grupo de mulheres para vir e surfar, para que possamos colocar uma bateria e que vocês tenham uma sessão de expressão”. Em outubro de 2014, Bianca surfou em Mavericks e foi puxada para um canto e repreendida por pedir publicamente a inclusão de mulheres na competição.
1999 foi o ano no qual se sabe da primeira mulher surfando em Mavericks, nove anos depois que o pico foi divulgado por Jeff Clark e cinco anos depois do inicio da competição no local, que inicialmente foi chamada de "Men Who Ride Mountains" (Homens que Montam Montanhas, em português). Sarah Gerhardt, a pioneira, contou para o New York Times que foi assediada verbalmente por surfistas do sexo masculino no estacionamento nos intervalos das ondas grandes, ouvindo coisas como "Dá o fora daqui". Em dezembro de 2014, treze mulheres surfaram juntas em Mavericks pela primeira vez, com o apoio financeiro de uma organização sem fins lucrativos.
No ano seguinte, em novembro de 2015, Sabrina Brennan, comissária do porto do condado de San Mateo - condado que abriga a cidade de Half Moon Bay -, pediu à Comissão Costeira da Califórnia que exigisse, pela primeira vez na história, a bateria das mulheres como condição de uma Licença de Desenvolvimento Costeiro para a competição de Mavericks. Outro comissário, Mark Vargas, propôs adicionar uma condição à permissão que exigiria um plano para incentivar a igualdade de oportunidades para as mulheres e ganhou, por votação. Três meses depois, em fevereiro de 2016, acontece a competição de Mavericks, sem a participação de mulheres.
5 de setembro de 2016: é criado o Comitê para a Equidade no Surf Feminino (CEWS, sigla no inglês), co-fundado pelas surfistas de ondas grandes Paige Alms, Keala Kennelly, Andrea Moller, Bianca Valenti, a comissária Sabrina Brennan e a consultora fundadora Karen Tynan. Desde então, o surf feminino conta com o comitê para diminuir as diferenças entre homens e mulheres no esporte. Em audiências da Comissão Costeira da Califórnia no final de 2016 e no final de 2017, o CEWS esteve representado oficialmente e, por unanimidade de votos, foi aprovada a exigência da bateria para mulheres na competição de Mavericks.
Em julho de 2018, o Comitê enviou uma carta para a Comissão Costeira denunciando a Liga Mundial de Surf (WSL, sigla em inglês) de ter um histórico de discriminação baseada no gênero. Paige Alms foi a primeira mulher a ser campeã no Circuito Mundial de Ondas Grandes em Pe'ahi, Havaí, uma das maiores ondas do mundo que também é conhecida como Jaws. Por dois anos consecutivos, 2016 e 2017, Alms foi a campeã e ganhou um prêmio de 15 mil dólares, enquanto a premiação masculina era de 25 mil dólares.
Bianca Valenti foi a primeira campeã feminina de ondas em 2018 no Puerto Escondido Cup, competição no pico mexicano que é organizada pela Surf Open League, gerida por funcionários da WSL. Bianca recebeu um prêmio de 1.750 dólares, enquanto a divisão masculina ganhou um prêmio de 7.000 dólares.
Após reuniões com membros da Liga Mundial de Surf, incluindo a então CEO Sophie Goldschmidt, em novembro de 2018 a WSL anunciou premiação igual para todos os eventos controlados pela organização a partir da temporada 2019. O CEWS vem ajudando a mudar o cenário legislativo também, como a lei 467 na Califórnia e a resolução 20-12 no Havaí.
A lei californiana, também conhecida como "Equal Pay for Equal Play" (Pagamento Igual para Jogo Igual, em português), foi assinada em setembro de 2019 e tornou ilegal as organizações pagarem competidores de ambos os sexos de maneira diferente em qualquer evento esportivo realizado na Califórnia. Para obter a concessão ou permissão do evento, os organizadores agora deverão provar que terão prêmios iguais para homens e mulheres em cada nível de competição. A lei teve como base os trabalhos do CEWS com a competição em Mavericks.
Já a resolução 20-12, aprovada em janeiro de 2020, faz com que todos os eventos de surf realizados no North Shore, Havaí, precisem ter a presença de mulheres a partir da temporada 2020. Para conseguir uma licença de uso dos espaços públicos para eventos ou concursos de surf, as organizações deverão apresentar uma divisão feminina para garantir o acesso das mulheres. Além disso, o Comitê Consultivo de Surf do prefeito agora deve ser composto por um número igual de mulheres e homens.
A medida influencia em eventos da WSL como a Tríplice Coroa Havaiana, uma premiação à parte composta pelas três etapas do mundial que acontecem no Havaí -Sunset Beach, Haleiwa e Pipeline -, que não tem categoria feminina desde 2010 e a final do campeonato mundial de surf, que acontece em locais separados: a masculina acontece em Pipeline e a feminina em Honolua Bay. Atualmente, o CEWS possui nove membros - Andrea Moller, canoísta, surfista de ondas grandes e stand up paddle, paramédica e mãe; Bianca Valenti, surfista de ondas grandes, porta-voz do CEWS na mídia, ativista ambiental e sommelier; Dani Burt, campeã mundial de surf adaptável e doutora em Fisioterapia; Jodie Tonita, diretora executiva e co-fundadora do Social Transformation Project (STP), projeto que ajuda pessoas a criar estratégias, colaborar e lidar com mudanças sistêmicas complexas para um mundo melhor; Karen Tynan, advogada trabalhista e consultora fundadora do comitê; Keala Kennely, surfista de ondas grandes considerada uma das melhores surfistas do mundo; Paige Alms, surfista de ondas grandes e que possui diversos empregos para custear o seu surf, desde dar aulas de surf até pintar casas; Raquel Heckert, surfista de ondas grandes e, aos 26 anos, a pessoa mais nova no CEWS e Sabrina Brennan, membro do partido democrata da Califórnia e comissária do Porto do Condado de San Mateo.
O Brasil tem duas representações no CEWS: Raquel Heckert, nascida e criada em Itacoatiara, Niterói e Andrea Moller, natural de Ilhabela, São Paulo. Ambas atualmente moram no Havaí. O Comitê, nos seus quase quatro anos de existência, teve um papel de liderança em mudanças muito importantes para o surf feminino no mundo, o que reafirma a sua missão:
"Apoiamos a equidade, inclusão, acesso igual e remuneração igual. Aumentar o número de eventos e o número de prêmios para mulheres, além de oferecer premiação igual, é a única maneira de alcançar uma equidade significativa no surf competitivo. As ondas não discriminam. Chegou a hora das atletas terem a oportunidade de mostrar seu talento".
Update: No dia 5 de junho de 2020, as quatro membros fundadoras Andrea Moller, Bianca Valenti, Keala Kennely e Paige Alms anunciaram a dissolução do Comitê e que, a partir da data, as quatro seguiriam agindo e lutando individualmente. A decisão foi movida pelo fato do Comitê já ter alcançado o objetivo pelo qual foi criado.